CRÔNICA: MONSENHOR EXPEDITO SOBRAL
A figura frágil magnetizava quem tivesse o mínimo
de sensibilidade. Baixinho, magro e falante, dominava qualquer ambiente em que
chegava e era a primeira vez que o jovem repórter o via. Implacável verão em
1993 e o religioso de ombros arqueados e frases rebeldes reunia um pequeno
grupo de políticos em São Paulo do Potengi para falar sobre seca.
A seca em 1993 foi impiedosa. Lembro-me do açude da
fazenda do meu sogro, nos Ingás, no Encanto, barrento, lamaçal e animais
mortos. Matar a sede e tomar banho, só com garantias permitidas por um surrado
poço tubular que servia aos familiares e aos moradores próximos que traziam
galões na cabeça para carregar água.
Um cenário que não sensibilizava os homens públicos
há décadas. Eles apareciam no interior de dois em dois anos, em carros bonitos,
desciam, eram recebidos com jantares que custavam dois meses de salário do
pobre anfitrião, falavam em comícios, soltavam promessas carimbadas e
retornavam para Natal, alguns sem sujar a roupa de linho.
Em 1993, o religioso de São Paulo do Potengi decidiu
chamar o rebanho eleito aos carretéis. Lá fui eu, o repórter, de ressaca, para
o clube de São Paulo do Potengi. Lembro bem do então senador Garibaldi Alves
Filho e do deputado estadual Elias Fernandes. Dos dois, me recordo. O Governo
do Estado mandou representante.
A figura miúda emocionava com sua mudança de
tonalidade que unia ternura e revolta como um pastor de miseráveis sem crença
que não fosse a Bíblia como anestésico espiritual. O Monsenhor Expedito
Medeiros cobrava soluções e dizia que havia gente morrendo de sede, a procissão
de famintos aumentava com o gado dizimado, a bacia leiteira acabava.
O Monsenhor Expedito Medeiros falava
exemplificando: “Fui esta semana a casa de comadre Maria e o filho dela bebia
água amarela. Bebia água coisa nenhuma. Bebia barro molhado. E se fosse um
filho dos senhores?” O Monsenhor Expedito Medeiros recitava a homilia da dor
O Monsenhor ia e vinha, devagar de propósito,
mergulhava nos grotões das agruras sertanejas, percorria com as palavras os
caminhos áridos dos homens do campo sem colheita nem sementes para o plantio,
brandia sua espada de revolta ante à indiferença dos poderosos.
O Monsenhor Expedito falou uma hora, uma hora e
meia e as autoridades começavam a se impacientar. Um dos integrantes da mesa,
se abanando com uma folha de papel, chamou um funcionário da diocese e pediu
que trouxesse água gelada para os convidados.
O rapaz levou um sonoro carão do Monsenhor: “Aqui
ninguém bebe água. Os senhores estão passando pelo que o povo do sertão passa o
ano inteiro. Que fiquem com sede, para que brote no coração de vocês a
sensibilidade e a solidariedade para com os seus irmãos.”
Os políticos caíram num constrangimento funeral. O
apóstolo continuou sua pregação e o seu gesto de fazer com que provassem na
pele ou na garganta o sacrifício da maioria, me pareceu o ponto de partida para
o famoso Programa de Adutoras, iniciado no Governo de Garibaldi Alves Filho
seguindo o Plano de Recursos Hídricos criado pelo também sedento daquele
sábado, o deputado Elias Fernandes.
Passados 19 anos, Monsenhor Expedito Medeiros
morreu e as adutoras não foram suficientes para resolver o caos dos efeitos da
estiagem, fenômeno natural. Mas melhoraram muita coisa. A seca de agora é
grave. O gado morre, o açude murcha, o matuto reza por chuva, não se perfura um
poço, nem se constrói uma cisterna, um açude. Em Luiz Gomes, faz um ano que o
povo sofre sem um pingo saindo das torneiras.
Saudades do Monsenhor Expedito Medeiros. Perdi a fé
em orações, mas seria bom que ele voltasse, em forma de gente ou de visagem
doce e atrevida, para berrar bem forte contra a arrogância e a insensibilidade,
dos que acompanham em gabinetes de carpete e ar condicionado, o martírio de
quem só serve para lhes dar o voto.
CRÔNICA: MONSENHOR EXPEDITO SOBRAL
Reviewed by Erivan Justino
on
sábado, novembro 10, 2012
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