APRESENTAÇÃO DO ROMANCE "O RIO TRAIRI REMOÍA SERTÃO", DO ADVOGADO SANTACRUZENSE DIEGO ROCHA
"A apresentação do
nosso simples romance O Rio Trairi Remoía Sertão (290 p), a ser
publicado em breve. Ainda em negociação com editoras. Até lá, é guardar a
ansiedade e carinho antecipado de todos que o querem ler". Palavras do autor.
APRESENTAÇÃO
Deixe
o peixe, deixe o rio
Que o rio é um fio de inspiração!
Que o rio é um fio de inspiração!
Vital
Farias, compositor paraibano.
O
Rio Trairí cheio! Ah, o rio dos peixes traíras...
Mário, narrador-personagem de O Rio Trairí Remoía Sertão.
Comecemos por dois capítulos que se
posicionam à guisa de epílogos: Como
ferem a natureza e O sertão virou
mar. A abordagem do primeiro, de certa forma, é explorada por todo o livro,
seja quando discorre sobre as consequências do desmatamento e outras atividades
que destroem o meio ambiente, ou quando revisita a recalcitrante e,
infelizmente, sempre atual, temática da seca. Contudo, no romance, apesar de
não haver escamoteamento dos problemas, o assunto emerge, na maioria das vezes,
cingido por um viés poético: “Nordeste de Seca. Criançada no choro maior do
mundo. Interior nos abandonos feios”. Ou ainda: “Maior escassez. Nada de chover
no chão há quatro anos. A falta d’água é tão grande que a cacimba funda não tem
água nem pra banhar os espinhaços dum cururu”.
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Em
relação ao outro capítulo, devemos destacar sua importância por vários ângulos.
Num misto de realidade e ficção, uma cheia no Rio Trairí faz um grande açude
estourar, causando uma tragédia de grandes proporções, inundando casas e
afogando pessoas. A catástrofe real, ocorrida em 1º de abril de 1981
(ironicamente, dia da mentira), na cidade de Santa Cruz, deixou o Rio Grande do
Norte sem luz elétrica durante três semanas. Para o leitor que deseja conhecer
um pouco mais do lamentável fato, sugiro consultar os registros jornalísticos
de então, para terem ideia da dimensão do sofrimento coletivo naqueles dias.
Particularmente,
desconhecia tratamento literário de tal episódio. E agora, vejo-o insurgir de
uma forma instigante e criativa, imbricando-o com a narração
bíblica do desmoronamento de Sodoma e Gomorra, quando Deus anuncia a Abrão a
destruição das duas cidades. Atentemos que Ló, sobrinho de Abraão, morava em
Sodoma, o que implicava preocupação por parte do tio.
O Rio Trairí Remoía
Sertão congrega, em si, várias nuanças. Somente da
perspectiva religiosa daria para considerar diversos matizes. Por exemplo, além
de esquadrinhar a tão arraigada religiosidade sertaneja, existe um enfoque em
relação ao misticismo ou sincretismo, que acaba eivando a narrativa de certo
mistério. O próprio desfecho é intrigante, na medida em que o protagonista, que
parecia tão real em todo desenrolar, chega ao final um tanto enigmático, quase
transfigurado em fantasma ou coisa que o valha.
A
narração é tipicamente sertaneja e propositadamente coloquial, com expressões e
construções peculiares do nosso falar matuto. De outra banda, as preocupações
político-sociais perpassam a obra, e as consequências danosas são expostas
dentro do contexto urbano nordestino, com um cenário muito próximo da
contemporaneidade, mesmo que a proposta temporal se situe nos anos oitenta. Diga-se de passagem, existe uma perspectiva de
contraste entre a vida do campo e a da cidade, onde a realidade da vida rural é
apresentada de forma mais amena e humanizada. Como, em determinado momento, diz
o protagonista:
“
- Aqui, na cidade, só tenho tido tristeza. A dívida que arruinou a terra de vô
Luiz, donde veio? Dum banco federal daqui! Os bandidos, dos morros esquecidos
desse lugar. Carestia, miséria, injustiça: cidade, eis o berço do mal. Quem
sustenta o Brasil? Ora, os agricultores!”.
O
coronelismo político, a corrupção, o apadrinhamento, as distorções na atuação policial
e nos organismos de justiça, além de outras tantas mazelas institucionais,
terminam por retratar o que, infelizmente, tornou-se uma prática constante na
maioria dos municípios nordestinos. A avalanche das drogas, a prostituição e os
meandros da discriminação sexual completam um cenário um tanto dantesco. Ou,
para homenagear o mestre Nelson Rodrigues, mostra a vida como ela é.
A
aproximação de estilos no romance de Diego Rocha quiçá mereça uma particular e
acurada análise. Laivos do regionalismo mesclados ao romance neorrealista, além
do tratamento político conjuntural da realidade nordestina, formam o arcabouço bem
peculiar da obra, cujo preenchimento se dá pela cuidadosa caracterização dos
personagens. Se Mário, protagonista e narrador-personagem, incorpora o esperto
e ladino sertanejo, também vamos nos deparar com outras figuras típicas, que
habitam Cachoeirinhas: seu Armandino, velho avarento; Severino, contador de
histórias; Tereza dos Arcanjos, prostituta; Leopoldo Bezerrão, prefeito
corrupto; Jiban, gay e traficante; Alexandre Cruz, juiz corrupto; Alisson
Pedrosa, advogado desonesto; além de outros tantos tipos dignos de observação.
Para
aqueles que conhecem e saboreiam a culinária nordestina, também haverá um
passeio degustativo, estimulado por descrições de dar água na boca:
“
- Cheiro de comida saía da chaminé preta. Madrinha preparou coalhada, pirão de
leite e carne seca torradinha no fogão à lenha”.
Enfim,
resta-nos mergulhar nas páginas de O Rio
Trairí Remoía Sertão. Navegá-lo de barreira a barreira, ou de capa a
capa, para, banhando-se em suas águas tíbias, desfrutar de uma leitura
estimulante e bem urdida.
David de
Medeiros Leite
Escritor
APRESENTAÇÃO DO ROMANCE "O RIO TRAIRI REMOÍA SERTÃO", DO ADVOGADO SANTACRUZENSE DIEGO ROCHA
Reviewed by Erivan Justino
on
sexta-feira, setembro 04, 2015
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