MEMÓRIAS DE SANTACRUZENSES
O empresário e escritor, santacruzense, Hermano Amorim nasceu e cresceu na terra de Santa Rita de Cássia, de onde alçou voo para se tornar o cidadão de sucesso que é hoje. Nas horas vagas escreve artigos... muitos deles sobre Santa Cruz e seus habitantes ilustres. Conheça mais uma obra escrita por ele que cita várias pessoas e destaca o eterno professor Ribeiro.
A CALÇADA DA FAMA
Por Hermando Amorim
Morávamos em Santa Cruz na rua João Bianor Bezerra nº 55,
antigamente conhecida por rua da Usina, nome dado devido a existência de
uma importante Usina de beneficiamento do algodão instalado na sua
artéria, famosa pela produção do Óleo Benedito, dirigida
por Manoel Lourenço Lima de saudosa memória. Um pouco mais abaixo,
exatamente duas casas após a nossa, ficava a residência do Sr. Afonso
Ribeiro Damasceno, barbeiro de profissão, pai de Francisco de Assis Dias
Ribeiro, carinhosamente chamado de Professor Ribeiro.
Habitavam seu lar, além do Professor Ribeiro, sua esposa do segundo
matrimônio, Maria Elequicina e seus filhos, Marilene, Marivaldo, Mirian e
Marcos.
Os moradores da rua como a maioria de outros de cidades
pequenas do interior, tinha como hábito, sentar à tardinha nas suas
calçadas para jogar conversa fora. Eram nessas horas que começavam a
descer pelo passeio os transeuntes que viam da escola,
do trabalho, da padaria com seu pão quentinho. Normalmente entre essas
pessoas, caminhava por ali em passos curtos e ligeiros o Professor
Ribeiro, saindo da sua labuta. Ao se aproximar das rodinhas de
bate-papo, formadas pelos moradores na porta de suas casas,
como a nossa, o Professor era sempre convidado para sentar e
participar da conversa. Seu jeito carinhoso no trato com as pessoas,
sua maneira inteligente e culta de se expressar, deixava-nos sempre a
escuta-lo. Em toda reunião era o mais falante, tinha o
dom da palavra, era coloquial, erudito, cobria-nos todos de informações
fresquinhas, um “gentleman”, era o mais famoso morador de nossa rua.
Entrava à noite e ficávamos solenemente ali parados, extasiados,
contemplando suas histórias inesquecíveis.
Lembro-me de uma dessas tardes em que o Professor Ribeiro
descrevia em seu tom professoral o velho mundo encantador europeu,
enumerando todos os seus países, adentrando na cultura de seus povos, na
suas línguas, as suas particularidades, como quem
já tivesse habitado aquelas terras longínquas. As suas palavras faziam
seus ouvintes sonharem com aquela civilização. Dizia em forma
afirmativa: -“A Europa é o berço da cultura universal, formada por gente
de espírito libertador”. Quando viajei pela primeira
vez para aquele continente, senti-me como se estivesse passando um
filme na memória, relembrando as suas palavras e confirmando com meus
próprios olhos, aquilo que ouvia o Professor Ribeiro falar em minha
adolescência, nas conversas de fim de tarde.
Para amenizar o clima sonhador e trazer de volta os seus
interlocutores para a realidade, entrava pelo mundo do futebol, seu
eterno divertimento. América sempre América e o Vasco, o timão do seu
coração. Aí de quem falasse mal dessas duas agremiações.
As suas plateias eram geralmente formada por pessoas de todas
as idades. Os vizinhos Zé Andrade, Maria e Rita de Dona Belinha,
Betinha, Sandra e Margareth de Antônio Nunes, Hidelbrando e Elenir de
Sr. Tito, Marta e Bernadete Rocha de Dona Inêzinha,
Joabel e Lurdes de Manoel Soares, eram os que mais participavam, tinha
ainda minha mãe Didi Bezerra, minhas irmãs Cássia e Rose, às vezes vinha
gente de outros quarteirões mais abaixo, Maria Rocha, Maria do Céu de
Neno, Graça e Socorro de Chinês para participar
das conversas.
Tem umas atitudes na vida das pessoas que são marcantes, o
Professor Ribeiro carregava todavia um jornal, ou um livro, ou uma
revista, colocados habitualmente sobre seu peito. Os seus trejeitos são
inesquecíveis, aquela mão que passava sem cessar
sobre seus cabelos oleosos, entre uma explicação e outra era sua marca
registrada.
A política sempre foi sua grande paixão. Tratava desse assunto
em suas conversas de forma contundente. Para não provocar alguma
discussão, utilizava a sabedoria da cozinheira para deixar a comida mais
gostosa, condimentava suas explanações com doses
homeopáticas de tempero político. Eram Dinarte Mariz e José Bezerra
Cavalcanti (Balelê) os líderes políticos que ele mais admirava. Alegava
como virtude do seu amigo pessoal Balelê, o seu comportamento
benevolente, caridoso, filantrópico, quando prefeito de
Santa Cruz.
Foi nesse convívio que tomamos conhecimento do amor telúrico
do Professor Ribeiro pela sua terra, esse sentimento era passado para
todos nós de uma forma explícita, não existia um dia sequer que o nobre
professor não dedicasse um pouco do seu tempo
em prol da sua cidade, isso era na igreja, na escola, na administração
do município, nos meios de comunicação, especialmente na difusora “A Voz
do Trairi”. Essa jornada diária gerava ingredientes novinhos para
enriquecer os assuntos das conversas do final de
tarde.
Sempre tive a impressão de que o espírito do professor Ribeiro
vivia em outro mundo e apenas, o seu corpo físico perambulava por nossa
calçada, mantendo ligeiro contato com nosso ambiente físico e social,
nada temporal contaminava-lhe. Dinheiro e
valores materiais eram para ele coisas fictícias; louvores e críticas,
aplausos e vaias, sucessos e fracassos, - tudo era farinha do mesmo saco
da vaidade.
Depois de muitos anos de convivência com o professor Ribeiro,
convenci-me de que o homem pode chegar ao mais alto grau da ética, da
integridade, da sabedoria intuitiva, mesmo vindo de família humilde. Sei
que ele era uma pessoa profundamente religiosa.
Isso botava por terra a ideia de que pessoas do seu nível intelectual
não acreditavam no Grande Arquiteto do Universo, como o Deus criador de
todas as coisas.
Faz algum tempo, no fatídico dia 14 de agosto de 1984 faleceu
com apenas 44 anos de idade a grande celebridade da nossa rua, o
inteligentíssimo Professor Ribeiro, mas deixou atrás de si a recordação
de um ser humano corajoso e invencível. Durante
alguns anos esse homem surpreendente deliciou as plateias não só da
nossa rua, seus vizinhos, mas de Santa Cruz, do Rio Grande do Norte com
sua sabedoria, sua voz de “crooner” e seu destacado carisma. Ele é o
Santacruzense número um do Município. Jamais ouve
outro igual. Por que tantas pessoas o admiravam? Seria pelo seu
talento, sua simpatia, seu entusiasmo, sua energia intensa para ensinar?
Talvez, mas eu o admirava pela sua generosidade. Nada tinha de postiço,
tudo seu era insuspeito.
Efetivamente o Professor Ribeiro deixou de trafegar a calçada
da Rua João Bianor Bezerra, acredito que esteja vagueando pelas calçadas
do céu; nós também saímos para viver em outros lugares aqui na terra,
mas a calçada ficou nas nossas memórias imortalizada
pela fama do nosso mais ilustre morador.
MEMÓRIAS DE SANTACRUZENSES
Reviewed by Erivan Justino
on
sexta-feira, maio 17, 2019
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