TRAFICANTE BRASILEIRO TERÁ ARTIGO ACADÊMICO APRESENTADO EM CONGRESSO EM PORTUGAL
O traficante Luiz Fernando da Costa, o Fernandinho Beira-Mar, comparou a situação dos presídios federais do Brasil à crucificação de Jesus Cristo em um artigo que será apresentado no Congresso Internacional de Direitos Humanos de Coimbra, em Portugal, entre 12 e 14 de outubro deste ano.
Mesmo atrás das grades, Beira-Mar, apontado como o chefe da facção criminosa Comando Vermelho (CV), que atua no tráfico de drogas em favelas do Rio de Janeiro, se formou em teologia em 2019 em um curso de graduação a distância nas Faculdades Batista do Paraná.
O UOL teve acesso com exclusividade ao conteúdo do trabalho acadêmico, que menciona a Bíblia para se referir ao encarceramento, condenação e crucificação de Jesus Cristo. O texto também faz referências à Constituição, a um relatório do Ministério Público sobre o sistema prisional e a uma resolução da ONU (Organização das Nações Unidas).
Aprovado na segunda-feira (19) pela organização do congresso, o artigo científico "Deontologia Jurídica da Crucificação de Cristo: paralelismo entre a via crucis de Jesus e o tratamento desumano das prisões federais brasileiras" foi escrito em parceria com a advogada Paloma Gurgel, que vai entrar com pedido na Justiça Federal nos próximos dias para que Beira-Mar possa participar da apresentação online durante o evento.
"Todos os autores de artigo aprovados pelo congresso têm o direito de fazer uma apresentação de forma oral", afirma a advogada.
Beira-Mar está no sistema prisional federal de segurança máxima desde a sua inauguração, há 15 anos, onde cumpre pena de mais de 300 anos por crimes como homicídio, tráfico de drogas e lavagem de dinheiro —ele inclusive foi condenado, acusado de chefiar uma guerra entre facções criminosas no presídio de Bangu, em 2002.
O traficante, no presídio federal de Campo Grande (MS) desde 2019, citou uma reportagem do UOL sobre depressão nas penitenciárias federais e uso excessivo de medicamentos psiquiátricos no texto em conjunto com Paloma Gurgel, relacionando o tema ao suicídio de Elias Pereira da Silva, o Elias Maluco, encontrado morto com sinais de enforcamento dentro da própria cela na penitenciária federal de Catanduvas (PR), em setembro de 2020.
A OEA (Organização dos Estados Americanos) cobrou providências do governo brasileiro após denúncias protocoladas por detentos há mais de dez anos nos presídios federais por "tortura e pena cruel". Segundo a petição, a decisão de mantê-los por longo período nessas penitenciárias é proibida pela Constituição e por tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário.
O artigo também relaciona a "tortura" à pena imposta a Jesus Cristo. "Ele foi submetido à mais brutal das formas de tortura existentes em sua época. O regozijo da própria população —responsável pela pena que foi a ele imposta— com o sofrimento daquele que seria responsável pela própria salvação da humanidade deles, demonstra o quanto nós estamos afastados dos planos de Deus", diz um dos trechos do texto.
'Anseio pela barbárie travestida de justiça'
Beira-Mar e Paloma analisam o tratamento oferecido pela sociedade aos presos da Idade Antiga e Idade Média. Contudo, focam o artigo no paralelo entre Jesus Cristo e a situação dos detentos dos presídios federais no Brasil.
"Nem mesmo o homem mais importante a pisar neste mundo escapou do tratamento desumano e degradante a que eram submetidos os presos nos tempos de outrora", compara o texto.
"A bestialidade com as quais se tratam as pessoas recolhidas ao cárcere desde os primórdios dos tempos denotam que o homem infelizmente não vê a figura do apenado como seu semelhante e, portanto, como pessoa detentora de direitos fundamentais mínimos", afirmam os autores.
O texto ainda relaciona o sistema prisional federal no Brasil à religião ao comparar a reabilitação dos detentos a um "milagre" devido à precariedade do encarceramento no país. "É forçoso reconhecer que a própria sociedade amontoa todas essas pessoas em pequenos espaços (...) [e espera] que um milagre divino as recupere de seus pecados".
O artigo se apoia na "fé cristã" para defender a "salvação" dos presos. "Jesus apregoou a crença na fé cristã como a salvação para todos, inclusive os apenados. E foi além ao relembrar que cumpre a todos nós, enquanto irmãos, a zelar e cuidar daqueles que se encontram em situação de aprisionamento", diz o texto.
"Que possamos repensar o tratamento desumano a que temos submetido a população carcerária. Que possamos franquear aos presos a palavra da salvação. E, principalmente, as condições ideais para que eles possam se arrepender de seus pecados a fim de obtê-la. Que possamos finalmente fazer cumprir os ensinamentos divinos, nos tornando um só com Cristo, seguindo, assim, os seus ensinamentos", conclui o artigo.
Fonte: Portal Grande Ponto
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