VOZES QUE VOLTAM: FINADOS, SAUDADE E A TRAVESSIA DA MEMÓRIA EM BOA HORA


Hoje o vento sopra diferente em Boa Hora. Ele vem leve, mas cheio de vozes. Vozes antigas, familiares, que parecem sussurrar entre as folhas do juazeiro e caminhar pelos corredores do museu como quem volta para casa. É Dia de Finados, e com ele vem a saudade… não aquela que dói como ferida aberta, mas a que pulsa como coração que ainda ama.

Penso em mamãe, Dona Auta, com sua fé firme e mãos de acolher. Sinto que hoje ela caminha pelas terras que tanto amou. Vejo-a, na minha lembrança que é também visão do espírito, sentada à sombra do juazeiro centenário, olhando o museu com olhos marejados, como quem diz: “Filha, você fez florescer a semente que plantei com lágrimas.”

E ao lado dela, como sempre esteve, está Seu Severino. Calado, altivo, com aquele olhar de agricultor que aprendeu a decifrar os céus e as dores. Ao seu redor, vejo também os meus irmãos que partiram, Francisco e Manoel, e tantos outros que agora habitam o céu da memória. Cada um deixou em mim uma história, uma ausência e um gesto que ainda me guia.

Hoje, Boa Hora é um silêncio reverente. As paredes do museu respiram mais lento, como se também sentissem falta de quem as viu nascer. O altar das promessas parece mais iluminado. E eu sei: é Dona Auta, que mesmo ausente de corpo, abençoa este lugar com sua alma presente.

Sinto que logo nos reencontraremos. Não como quem antecipa a partida, mas como quem crê que o tempo é apenas um intervalo. A morte não é o fim, é uma  travessia. E cada finado é alguém que ainda vive dentro de nós, em cada detalhe, em cada flor de crepom e em cada peça resgatada.

Hoje, o museu é meu templo. E o juazeiro é meu altar. De lá, vejo o passado como quem olha o futuro com ternura. E se um dia perguntarem onde está Dona Auta, direi sem medo: “Ela está aqui. No cheiro da terra, no canto dos galos, na sombra que consola e na história que não morre.”

Hoje é Dia de Finados, e meu coração, mesmo cheio de saudade, também está cheio de paz. Porque sei que os que amamos seguem vivos na eternidade e em nós.


CLEUDIA BEZERRA PACHECO

VOZES QUE VOLTAM: FINADOS, SAUDADE E A TRAVESSIA DA MEMÓRIA EM BOA HORA VOZES QUE VOLTAM: FINADOS, SAUDADE E A TRAVESSIA DA MEMÓRIA EM BOA HORA Reviewed by Erivan Justino on segunda-feira, novembro 03, 2025 Rating: 5

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