ADVOGADO/PESQUISADOR FAZ HOMENAGEM A POETA SANTACRUZENSE
Uma homenagem ao poeta Jéca Tabúa
Por
Diego Rocha[1]
Eu
gostaria de poder ser livre e escrever sem tanta regra e limitação da escrita
formal. Mas, estar “correto” gramaticalmente seria uma pobreza diante do
universo da poesia e suas licenças e abraços infinitos à criação. Ele sempre
tinha algo de original em seus versos vestidos de brejo e sertão nordestinos,
nesse Brasil caboclo de mãe Preta e pai João. E era, no pensamento exato, nunca
distante da sua alma de homem lido, culto e embrenhado, a um só tempo, nas suas
origens do sertão potiguar. Faço, aqui, uma simples homenagem ao conterrâneo e poeta
Jéca Tabúa.
Viveu no interior, município
de Santa Cruz do Trairi, no pequeno Estado do Rio Grande do Norte, Brasil, o
poeta Cosme Ferreira Marques (nome real de Jéca Tabúa). Foi professor,
intelectual, escritor, cantador. Publicou, em 1946, o seu inigualável livro de
poesias matutas, Canastra Véia. E
como diria o grande baluarte da cultura brasileira, Luís da Câmara Cascudo, a quem
prefaciou tal obra naquele tempo: “Jéca Tabúa mora na cidade de Santa Cruz, um
cento de quilômetro para o interior. Cercado de filhos, ganhou até poucos
meses, vencimentos que seriam recusados por uma semana de trabalho urbano.
Duzentos cruzeiros mensais!”. Uma crítica ainda válida aos tempos atuais: o
baixo salário que ganham os professores brasileiros. Porém, mesmo com pouco
sustento financeiro, o poeta não deixou de cantar e sonhar entre galhos secos,
chão pedregoso, vacas magras e sofrimentos, numa bruta perseverança de olhar
sempre para o horizonte, apesar dos obstáculos físicos transfigurados nas
serras da Borborema Potiguar, geografia inóspita da terra calcinada pelo Sol e
ares secos, quentes, donde ele nasceu.
Para o professor Cosme
Ferreira Marques, a busca pelo Ser era o fim da sua vida. Enquanto muitos
letrados de então buscavam o conhecimento como meio para ter dinheiro, ter bens
materiais, ter prestígio político, o Jéca Tabúa foi poeta, viveu poeta, morreu
poeta. Homem de inteligência sensível e carismática, que teceu versos em
homenagens a amigos, a filhos, a parentes, também a um resto de toco na
paisagem árida, a uma casinha do sertão, a uma canastra velha, largada no
quarto. Vida simples, sua filosofia maior. E como lembrou o intelectual
norte-rio-grandense Câmara Cascudo, na apresentação do referido livro:
“Nada mais
emocional que esse pai que não pode comprar um presente para o aniversário da
filhinha, o mais simples, o mais pobre, o mais humilde presente. Para
festeja-la escreve um soneto, uma canção e entrega à filha, como a oferta do
seu sangue, a luz do espírito, o ritmo do coração. A pena, como o bico do
pelicano clássico, abre o peito e a filhinha recebe um presente arrancado à
alma que a gerou”.
Não era retórica de um
professor a se mostrar qual um “humilde grandioso” à sociedade, mas sim uma
prática verdadeira de sua essência demasiadamente humana.
A moeda desse poeta era
Deus quem dava. Bom de conversa, curioso, chegava de mansinho, como quem não
queria nada, pegada sua rabeca ou violão, juntava-se a festins numa roda de
gente. O mestre tocava, cantava e palestrava ao vento gélido e triste das noites
bucólicas de sua cidade pequena. Sua voz harmônica e firme mostrava o repente
dos antigos vozeiros medievais, resquícios culturais europeus, do Mundo Velho nos
escombros de todos os espíritos, do sertão colonial brasileiro. Vozes que
reproduziam o dialeto nordestinês, quais destacados logo na primeira parte da
obra Canastra Véia, a dizer de Pés Quebrados. Lado do livro que o autor
reporta a versos, imagens e lembranças passadas, a citar o Meu Coração, baú véio i cançadu - depósito emadeirado precioso e
singelo de sua infância colorida.
Na
segunda parte do livro, intitulado de Vibrações
d’Alma, o poeta chorou seus sentimentos de gratidão, afeição, saudade e
carinho a amigos, a filhos e a ajudadores de suas necessidades materiais. Seus
versos não são água do pote, são um caldo forte e substancioso de mocotó de boi
– numa comparação culinária regional -, ricos em quadras, acrósticos, sonetos,
sextilhas, etc. Reflexos de uma alma farta de coração, de alma, de alegrias,
mas ainda de lamentos, de choros, de despedidas...
Como
todo ser iluminado e grandioso, o poeta Jéca Tabúa era modesto em suas palavras
quando se dirigia aos seus pupilos e ouvintes de prosa. Sabia penetrar os luxuosos
muros dos grandes da sociedade, sendo nobre. Igualmente, sabia adentrar as rústicas
casas de taipas dos pobres, sendo humilde. Com seu jeito pacato e
desinteressado, conquistava o carinho de todos da sociedade do Rio Grande do
Norte.
Não
vou me estender em retratar o saudoso Cosme Ferreira Marques, cuja história
daria um libro, ele já se imortalizou. Poeta não morre, apenas desaparece do
mundo físico e permanece no mundo da fantasia, da emoção, da cultura, do
imaterial, ao qual ele já veio de lá, desde nascido. Seu nome, hoje, batiza a
fachada de escola estadual no município de Santa Cruz. Em despedida, com
lágrimas da memória alheia daqueles que muito bem relembravam o Jéca Tabúa, vou
recitar o poema que deu título à sua primeira obra, Canastra Véia:
CANASTRA VÉIA ...
Ao Afonso Gerôncio da Fonseca
Canastra véia... tú tem
dentro de tú bem guardado,
as istóra dum passadu todu meu:
Canastra, juro pru Deus
inquanto vida tivé
di zelá essis papé di lembrança:
Minha vida di criança...
adispôi a di rapás.
daquelis tempus pra trás tempus
bão:
Baú di arrecordação
qui guarda tantas lembrança,
tant’inluzão e isperança quêu
tinha:
Canastra! Canastra minha,
Vô* ti dizê di verdade,
sois, baú só di sódade i judiação:
Também o meu coração,
é um baú véio i cançadu...
Más trái tudim bem féxado i siguro;
Já tô* véio, tô* maduro,
a morte logo mi arcança...
más num carrega Sinhô
a canastra de lembrança.
(*) Escrito no original como vê e tê, em evidente erro
tipográfico. No corpo do texto foram igualmente corrigidos erros análogos, em
que foram acrescentados os correspondentes acentos circunflexo e agudo, para
assinalar as palavras oxítonas ou monossílabos tônicos, ausentes por evidente
erro de tipografia. No mais foi respeitada a ortografia correspondente à
linguagem matuta utilizada pelo autor, na primeira parte da obra, e, na segunda
parte, aos hábitos ortográficos não uniformes, vigentes na época anterior à
reforma ortográfica de 1943.
[1]
Advogado, pesquisador e escritor, reside em Santa Cruz e Natal, RN, Brasil.
ADVOGADO/PESQUISADOR FAZ HOMENAGEM A POETA SANTACRUZENSE
Reviewed by Erivan Justino
on
segunda-feira, março 30, 2015
Rating:
Nenhum comentário:
Seu comentário passará por uma avaliação...