ESCRITOR LEONARDO BOFF FAZ ANÁLISE DO GOVERNO PETISTA
Equívocos conceptuais no governo do PT
13/07/2013
Estimo que parte das razões que levaram multidões às ruas no mes de junho tem
sua origem nos equívocos conceptuais presentes nas políticas públicas do
governo do PT. Não conseguindo se desvenciliar das amarras do sistema
neoliberal imperante no mundo e internalizado, sob pressão, em nosso pais, os
governos do PT tiveram que conceder imensos benefícios aos rentistas nacionais
para sustentar a política econômica e ainda realizar alguma distribuição de
renda, via políticas sociais, aos milhões de filhos da pobreza.
O Atlas
da exclusão social – os ricos no Brasil(Cortez, 2004) embora seja
de alguns anos atrás, mantem sua validade, como o mostrou o pesquisador Marcio
Pochmann (O pais dos desiguais, Le
Monde Diplomatique, outubro 2007). Passando por todos os ciclos econômicos, o
nível de concentração de riqueza, até a financeirização atual, se manteve
praticamente inalterado. São 5 mil famílias extensas que detem 45% da renda e
da riqueza nacionais. São elas, via bancos, que emprestam ao governo;
segundo os dados de 2013, recebem anualmente 110 bilhões de reais em juros.
Para os projetos sociais (bolsa família e outros) são destinados
apenas cerca de 50 bilhões. São os restos para os considerados o resto.
Em
razão desta perversa distribuição de renda, comparecemos como um dos países
mais desiguais do mundo. Vale dizer, como um dos mais injustos, o que torna
nossa democracia extremamente frágil e quase farsesca. O que sustenta a
democracia é a igualdade, a equidade e a desmontagem dos privilégios.
No
Brasil se fez até agora apenas distribuição
desigual de renda, mesmo nos governos do PT. Quer dizer, não se mexeu na
estrutura da concentração da renda. O que precisamos, urgentemente, se quisermos
mudar a face social do Brasil, é introduzir uma redistribuição que implica mexer nos mecanismos de
apropriação de renda. Concretamente significa: tirar de quem tem demais e
repassar para quem tem de menos. Ora, isso nunca foi feito. Os detentores do
ter, do poder, do saber e da comunicação social conseguiram sempre impedir esta
revolução básica, sem a qual manteremos indefinidamente vastas porções da
população à margem das conquistas modernas. O sistema politico acaba servindo a
seus interesses. Por isso, em seu tempo, repetia com frequência Darcy
Ribeiro que nós temos uma das elites mais opulentas, antisociais e
conservadoras do mundo.
Os
grandes projetos governamentais destinam porções significativas do orçamento
para os projetos que as beneficiam e as enriquecem ainda mais: estradas,
hidrelétricas, portos, aeroportos, incentivos fiscais, empréstimos com juros
irrisórios do BNDES. A isso se chama crescimento econômico, medido pelo PIB que
deve se equacionar com a inflação, com as taxas de juros e o câmbio.
Priviligia-se o agronegócio exportador que traz dólares à agroecologia, à
economia familiar e solidária que produzem 60% daquilo que
comemos.
O
que as multidões da rua estão reclamando é: desenvolvimento em primeiro lugar e
a seu serviço o crescimento (PIB). Crescimento é material.
Desenvolvimento é humano. Signfica mais educação, mais hospitais de qualidade,
mais saneamento básico, melhor transporte coletivo, mais segurança, mais acesso
à cultura e ao lazer. Em outras palavras: mais condições de viver minimamente
feliz, como humanos e cidadãos e não como meros consumidores passivos de bens
postos no mercado. Em vez de grandes estádios cujas entradas aos jogos
são em grande parte proibitivas para o povo, mais hospitais, mais escolas, mais
centros técnicos, mais cultura, mais inserção no mundo digital da comunicação.
O
crescimento deve ser orientado para o desenvolvimento humano e social. Se
não se alinhar a esta lógica, o governo se vê condenado a ser mais o gestor dos
negócios do que o cuidador da vida de seu povo, das condições de
sua alegria de viver e de sua admirada criatividade cultural.
As
ruas estão gritando por um Brasil de gente e não de negócios e de negociatas;
por uma sociedade menos malvada devido às desigualdades gritantes; por relações
sociais transparentes e menos escusas que escondem a praga da corrupção; por
uma democracia onde o povo é chamado a discutir e a decidir junto com seus
representantes o que é melhor para o país.
Os
gritos são por humanidade, por dignidade, por respeito ao tempo de vida das
pessoas para que não seja gasto em horas perdidas nos péssimos transportes
coletivos mas liberado para o convívio com a família ou para o lazer.
Parecem dizer: “recusamos ser apenas animais famintos que gritam por pão; somos
humanos, portadores de espírito e de cordialidade que gritamos por beleza; só
unindo pão com beleza viveremos em paz, sem violência, com humor e sentido
lúdico e encantado da vida”. O governo precisa dar esta virada.
Leonardo
Boff é autor de 'Virtudes por um outro
mundo possível' (3 vol) Vozes 2006.
ESCRITOR LEONARDO BOFF FAZ ANÁLISE DO GOVERNO PETISTA
Reviewed by Erivan Justino
on
quinta-feira, julho 18, 2013
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